Cour d'appel d'Évora Affaire n° 1621/17.8T8STB-L.E
JUGEMENT SOMMAIRE - DÉCISION UNIFORME DE LA COUR
La vente, dans le cadre d'une procédure d'insolvabilité, d'un bien hypothéqué, avec un bail conclu postérieurement à l'hypothèque, n'entraîne pas la déchéance des droits du locataire, et les dispositions de l'article 824, paragraphe 2, du code civil sont inapplicables.
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Résumé de l'arrêt :
Travail préparé par Kione Calundungo
Stagiaire d'été chez JLAdvogadoslawyers.RL
07/08/2024
Ce jugement porte sur la résiliation d'un contrat de bail et l'exécution d'une hypothèque liée à un bien immobilier appartenant à la société insolvable, Importação e Exportação Representação e Consultoria de Gestão Lda. Le tribunal déclare que le bail conclu entre la société insolvable et le locataire le 1er janvier 2014 a expiré, en raison de l'exécution des obligations garanties par l'hypothèque. La décision porte sur la vente du bien libre de toute charge, avec la radiation respective des hypothèques, des privilèges et de la déclaration d'insolvabilité enregistrée. Le tribunal s'est également penché sur le rejet de la suspension de la demande de remise du bien, déclarant que l'action ne visait qu'à retarder l'évaluation et la décision concernant la demande, conformément à l'article 272 du CPC.
Pour étayer sa décision, le tribunal a examiné les dispositions du code de l'insolvabilité et du redressement des entreprises (CIRE), ainsi que du code de procédure civile (CPC), soulignant l'urgence et la nature de la procédure d'insolvabilité, et insistant sur la nécessité d'une sécurité juridique et d'une sûreté des décisions prises.
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ACORDÂO
Tribunal da Relação de Évora Processo no 1621/17.8T8STB-L.E1
Relator: FRANCISCO MATOS Sessão: 07 Abril 2022 Votação: UNANIMIDADE
HIPOTECA CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário
A venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário, sendo inaplicável o disposto no n.o 2 do artigo 824.o do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Texto Integral
Proc. n.o 1621/17.8T8STB-L.E1
Acordam na 2a secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
1. Nos autos de liquidação do ativo que corre por apenso ao processo de insolvência de (...) – ..........................., S.A., veio (...), STC, S.A., na qualidade de adjudicatária do imóvel sito na ............ do (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de............................ sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o n.o (...) da freguesia de .............., requerer que (i) “seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente (...) e a arrendatária Sra. (...)”, (ii) “seja autorizada a tomada de posse do imóvel, com recurso ao auxílio de força pública”.
(...) opôs-se e argumentou que não foi notificada para exercer o direito de preferência na venda do prédio adjudicado à requerente (foi notificada pelo
AI, em 17/5/2019, de um outro projeto de venda que não se concretizou) e que pretende instaurar ação com vista a preferir na venda do prédio, requerendo a final a consignação em depósito de rendas até que se mostre decidida a ação de preferência.
Requereu, em momento posterior, que os autos aguardassem a apensação do processo n.o .....................2T8STB, o qual constitui “causa prejudicial aos presentes autos”.
2. Seguiram-se despachos assim concluídos:
“(...) indefiro à requerida suspensão do pedido de entrega do imóvel por inexistência ao presente de qualquer causa prejudicial, nos termos do artigo 272.o, n.o 1, do CPC e ainda que assim não fosse, sempre seria de indeferir tal pedido, por ser manifesto que a propositura da ação comum que constitui o apenso K, mais não visa do que protelar, justamente, a apreciação e decisão do aludido pedido, nos termos do artigo 272.o, n.o 2, do CPC”.
*
“(...) declaro a caducidade do contrato de arrendamento, outorgado entre a insolvente (...) – I........................ Lda., e (...), em 1 de janeiro de 2014”.
2. (...) recorre e conclui assim a motivação do recurso:
“a) Nos termos do artigo 17.o do CIRE, ao processo de insolvência aplicam-se, supletivamente, as normas do Código de Processo Civil.
b) Ao abrigo do disposto na alínea b) do número 3 do artigo 647.o do CPC, o presente recurso tem efeito suspensivo.
c) Genericamente, o n.o 5 do artigo 14.o do CIRE, atribui aos recursos apresentados em sede de insolvência, um efeito meramente devolutivo.
d) Porém, a ratio legis desta norma é evitar a suspensão do processo de insolvência, que reveste a natureza de urgente, consagrando o CIRE outros mecanismos de prevenção, nomeadamente no seu artigo 180.o, para os casos de recursos sem efeito suspensivo.
e) O recurso versa sobre a decisão de declaração da caducidade do arrendamento celebrado entre Insolvente e a aqui Recorrente, não ficando, pelo efeito suspensivo do mesmo, o processo de insolvência, ou seus apensos, designadamente, o da liquidação, sustados.
f) Não dispondo o CIRE de nenhum mecanismo de prevenção especial quanto a este recurso, se ao mesmo fosse atribuído um efeito meramente devolutivo,
estar-se-ia a praticar ou autorizar atos, como a entrega efetiva do imóvel arrendado, que poderão, e deverão, ser anulados com a prolação de um Acórdão que julgue, atentas as normas aplicáveis e a jurisprudência uniformizada quanto a esta matéria, nomeadamente o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/21, procedente o presente recurso.
g) A atribuição suspensiva ao presente recurso em nada contende com a subsequente tramitação dos autos de insolvência e seus apensos.
h) Permanecendo sustada, tão-só, a declaração da caducidade do contrato de arrendamento e a consequente autorização do auxílio de força pública na sua entrega efetiva.
i) A norma prevista na alínea b) do número 3 do artigo 647.o do CIRE reveste a natureza de norma especial relativamente à norma geral do número 5 do artigo 14.o do CIRE, prevalecendo sobre esta.
j) Deverá ao presente recurso da decisão proferida no presente apenso ser atribuído um efeito suspensivo, cfr. no artigo 647.o, n.o 3, alínea b), aplicáveis ex vi artigo 17.o do CIRE.
k) Mal tem andado o tribunal a quo, ao considerar que a ação que, atualmente, constituiu o apenso K destes autos, não é prejudicial quanto à decisão de entrega do imóvel.
l) Na ação, proposta em 27/10/2020, a Recorrente peticionou entre outros pedidos, a declaração da ineficácia da comunicação para o exercício do direito de preferência e, em consequência, a declaração da nulidade da venda do imóvel.
m) A decisão proferida em 12/11/2021 no âmbito daquele apenso não transitou em julgado.
n) O número 1 do artigo 272.o do CPC que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta.
o) Ao indeferir o pedido de suspensão da decisão de entrega do imóvel até trânsito em julgado da decisão proferida no apenso K, mal andou o tribunal a quo na interpretação da norma acima citada.
p) Quando a lei dispõe que o tribunal pode ordenar a suspensão não está a conferir ao julgador qualquer poder discricionário.
q) Sempre que a decisão de uma causa estiver dependente de outra, deverá a mesma ser suspensa até à decisão definitiva da causa prejudicial.
r) A decisão (final) a ser proferida num apenso em que se peticiona a nulidade da venda do imóvel tem clara e real influência sobre a decisão de entrega do imóvel.
s) Caso a venda seja, naquele apenso, julgada nula por força da inobservância dos critérios que a lei impõe, a caducidade do contrato de arrendamento, alegada no presente apenso, em causa não estaria sequer em causa.
t) A suspensão determinada, in casu, pela existência de uma ação prejudicial só cessará “quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial”, ao abrigo do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 276.o do Código de Processo Civil.
u) Errou, desta forma, uma vez mais, o tribunal a quo ao considerar que pelo facto de ter sido proferida uma decisão (não transitada em julgado) naquele apenso, que a requerida suspensão teria de ser indeferida.
v) Não há lugar a qualquer discricionaridade no que tange à suspensão do pedido de entrega do imóvel, encontrando-se pendente uma ação no âmbito da qual se discute a questão essencial da validade da venda do referido bem.
w) Mal que também andou o tribunal a quo, ao considerar a inexistência de qualquer contrato anterior à constituição da hipoteca pois, como a Recorrente alegou e demonstrou nos autos, nomeadamente através dos recibos de renda emitidos pela Insolvente, desde o ano de 2008 que o imóvel se encontra arrendado.
x) O contrato de arrendamento, atenta a sua natureza, subsiste com a venda judicial do bem, independentemente de ter sido celebrado antes ou depois da constituição de hipoteca sobre o bem arrendado.
y) A sentença proferida ao declarar a caducidade do contrato de arrendamento outorgado entre a Insolvente e a Interessada em 01 de Janeiro de 2014, atento o disposto no artigo 824.o, n.o 2, do Código Civil ignora o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.o 2/21, proferido em 05/08/2021.
z) E, ao aplicar a norma constante no número 2 do artigo 824.o do Código Civil erra na determinação da norma aplicável.
aa) O arrendamento tem a natureza de um verdadeiro direito pessoal de gozo, sendo um verdadeiro direito obrigacional (e não real), aplicando-se, em consequência norma constante no artigo 1057.o do Código Civil.
bb) Sendo o direito do locatário um verdadeiro direito pessoal de gozo é subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva, aplicando-se à locação a regra emptio non tollit locatum estabelecida no artigo 1057.o do Código Civil.
cc) Não podendo o disposto no número 2 do artigo 824.o do Código Civil, previsto para os direitos de garantia e reais, ser aplicado analogicamente a direitos de natureza obrigacional, razão pela qual é dado ao arrendatário o direito de preferência estipulado no artigo 1091.o do Código Civil.
dd) Ao defender a caducidade do arrendamento, por aplicação analógica do artigo 824.o, n.o 2, do Código Civil, ignora-se o carácter imperativo das regras constantes do disposto no artigo 1051.o do mesmo diploma legal no qual não se encontra elencada a caducidade de um contrato de arrendamento em consequência de uma venda judicial.
ee) Dispõe o número 3 do artigo 109.o do CIRE que a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância.
ff) Subsistindo, desta forma, o arrendamento, celebrado antes ou depois da constituição da hipoteca, com a venda judicial do bem locado.
gg) Mal andou o douto tribunal a quo que, errando na determinação das normas aplicáveis, aplicando incorretamente o direito.
hh) Devendo ao contrato de arrendamento ser aplicadas as normas constantes no número 3 do artigo 109.o do CIRE e 1057.o do Código Civil.
ii) O artigo 1051.o do Código Civil que não prevê a venda judicial do bem locado como um dos casos de caducidade do contrato de arrendamento.
jj) Ao determinar incorretamente as normas aplicáveis aos factos considerados provados, o tribunal a quo aplicou, erroneamente, o direito.
kk) A sentença ignora ainda o Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao qual foi atribuído o n.o 2/21, no âmbito do processo 1268/16.6T8FAR.E1.S2-A1 , que defende que “a venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não
faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109.o, n.o 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057.o do Código Civil, sendo inaplicável o disposto no n.o 2 do artigo 824.o do Código Civil”.
ll) Embora não tenham força vinculativa, os Acórdãos para Uniformização de Jurisprudência gozam de um valor reforçado sobre os demais que se impõe ao próprio Supremo Tribunal de Justiça.
mm) Na aplicação do direito os Tribunais têm de necessariamente tomar em consideração os valores da segurança, da certeza jurídica e da eficácia, como fatores que concorrem para a legitimação das decisões judiciais.
nn) Devendo, a jurisprudência uniformizada emanada do Supremo Tribunal de Justiça, merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial, de tal modo que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios à concreta resolução da questão de direito, neste caso, a subsistência de um contrato de arrendamento.
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA.”
Respondeu a adjudicatária (...), ......, S.A., por forma a concluir pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
II Objeto do recurso
Tendo em conta que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.o, n.o 4 e 608.o, n.o 2 e 663.o, n.o 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos, que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, cumpre decidir: (i) da suspensão dos autos por pendência de causa prejudicial, (ii) se a venda em execução de imóvel arrendado para habitação determina a caducidade do contrato de arrendamento.
As conclusões a) a j) reportam-se ao efeito a atribuir ao recurso.
Os recursos destinam-se a impugnar as decisões judiciais (artigo 627.o, n.o 1, do CPC); no caso, o recurso visa a impugnação de duas decisões judiciais, a decisão que indeferiu a suspensão do processo e a decisão que declarou a
caducidade do arrendamento por efeito da venda em execução do imóvel arrendado.
O recurso não tem por objeto o despacho que o admitiu e fixou o seu efeito; não tem nem poderia ter pela própria natureza das coisas, uma vez que à data da interposição do recurso tal despacho ainda não havia sido proferido nos autos e, de qualquer forma, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete, em regra, não pode ser impugnada pelas partes (artigo 641.o, n.o 5, do Código de Processo Civil).
Por se reportarem a razões que não concorrem para o conhecimento das decisões impugnadas, não se conhece das conclusões a) a j).
Idêntica solução reclama a conclusão w) – “mal que também andou o tribunal a quo, ao considerar a inexistência de qualquer contrato anterior à constituição da hipoteca pois, como a Recorrente alegou e demonstrou nos autos, nomeadamente através dos recibos de renda emitidos pela Insolvente, desde o ano de 2008 que o imóvel se encontra arrendado” – por comportar uma divergência com a decisão de facto – a decisão recorrida julgou não provada a existência de um contrato de arrendamento celebrado em 2008, entre a insolvente (...) e a arrendatária (...) – formulada sem a observância dos ónus a que se reporta o artigo 640.o do Código de Processo Civil.
A recorrente não indica os concretos meios probatórios que suportam a divergência e, decisivamente, não indica a concreta decisão a proferir.
Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 640.o, n.o 1, alíneas b) e c), rejeita- se, nesta parte, o recurso, no pressuposto, não aclarado, que era seu propósito impugnar a decisão de facto.
III- Fundamentação 1- Factos
A decisão recorrida julgou assim os factos
Provado
1. O credor (...) apresentou proposta para aquisição / adjudicação do imóvel sito na herdade do (...), atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...), da freguesia da Quinta do Conde e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.o (...) da freguesia de Sesimbra (Castelo);
2. Foi aceite a proposta de adjudicação apresentada pelo credor, e em 27/07/2020 foi outorgada a escritura de compra e venda do referido imóvel, onde consta:
“Primeiro:
Parte Vendedora: Massa insolvente de (...) – ..............................................., Lda., com sede na (...), ..........................., capital social de cinquenta mil euros, com o NIPC (...) que é simultaneamente o seu número de matrícula na respetiva Conservatória do Registo Comercial, representada por (...), NIF (...), CC n.o (...), válido até 18/10/2021, casado, natural da freguesia de São Julião, Concelho de Gouveia, com domicílio profissional na Rua (...), 4-A, (...), Algés, na qualidade de administrador de insolvência, nomeado no processo n.o 1621/17.8T8STB – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 2, cuja sentença transitou em julgado em catorze de fevereiro de dois mil e dezoito, conforme consulta à certidão judicial.
SEGUNDO – PARTE COMPRADORA
(...) – STC, S.A., com sede na Avenida (...), 27, 11o piso, freguesia de Campolide, Concelho de Lisboa, com o capital social de cinco mil euros, com o NIPC (...), que é simultaneamente o seu número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial, esta por sua vez representada neste ato (...), NIF (...), CC (...), válido até 31/01/2030, casada, natural de Angola, com domicílio profissional na Rua de (...), 21, 4o-Esq., no (...), que intervém na qualidade de procuradora substabelecida, conforme procuração com o código de acesso (...), e procuração e substabelecimento que se arquivem.
(...)
IDENTIFICAÇÃO DO PRÉDIO ELEMENTOS DESCRITIVOS DO PRÉDIO
Natureza: Urbano – Edifício de um piso com logradouro – Habitação, com a superfície coberta de ............................metros quadrados e a superfície descoberta de setenta e ........metros quadrados.
Denominação: ..........do (...).
Situação : Lugar ......... (...), freguesia de ................ (Castelo), concelho de .............., a confrontar por todos os lados com a insolvente.
Inscrição Matricial: Artigo rústico (...), secção D, atualmente artigo urbano (... ), da freguesia da ...........;
Valor patrimonial: € .................... SITUAÇÃO REGISTRAL:
Prédio descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e .................................... sob o n.o (...), da mencionada freguesia, com o registo de aquisição a favor da insolvente pela Ap. (...), de (...).
Sobre o prédio encontram-se registadas ........... servidões pelas Ap. (...), de 1984/11/29, (...), de 1984/11/29, (...), de 1984/11/29 e (...), de 2011/07/21 que se mantêm.
Encontra-se, também, registada pela anotação da Ap. (...), de 2011/08/31 uma interposição de impugnação judicial da decisão de recusa da modificação da hipoteca ainda não decidida.
COMPRA E VENDA
O PRIMEIRO interveniente, na qualidade em que intervém, vende à representada da SEGUNDA, o prédio urbano atrás identificado pelo preço de ....................., n............... euros, que já recebeu e do qual dá quitação.
O pagamento foi efetuado da seguinte forma: (...)
A PARTE VENDEDORA declara que prédio é vendido livre de ónus e encargos, designadamente:
- Uma hipoteca voluntária registada, a favor da compradora pela Ap. (...), de 2010/08/03;
- Uma penhora registada a favor do (...) Banco, S.A., pela Ap. (...), de 2016/04/19;
- Declaração de Insolvência registada pela Ap. (...), de 2017/11/21, cujos cancelamentos serão feitos de imediato com base na presente venda;
(...)
3. A insolvente (...) –........., Lda., celebrou um contrato de arrendamento denominado “contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo”, com (...), nos termos e com o teor seguinte:
“(...) –.........., Lda., com sede na .... (...), ......., ., com o número único de matrícula e pessoa coletiva (...), matriculada na Conservatória do Registo ..........., neste ato representada por (...) doravante designada por “Primeira Outorgante” ou “Senhoria”
E
(...) doravante designada por “Segunda Outorgante” ou “Arrendatária”; (...)
1. A senhoria é dona e legítima proprietária de um prédio sito na ........... (...), freguesia de ....... (Castelo), concelho de ......a., com a área de .........ha, que confina a norte com a Sociedade ............. (...), a Sul com (...), a Nascente com (...) e a Poente com (...), e que é composta por três parcelas rústicas e uma parcela urbana com 0,35ha, a que corresponde o artigo matricial n.o (...), secção .........., do qual a Primeira Outorgante é dona e legítima possuidora.
2. A Arrendatária pretende arrendar o locado para aí estabelecer a sua residência.
É livremente e de boa-fé celebrado o presente contrato de arrendamento para fins habitacionais, (...) e que se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
A Primeira Outorgante declara para todos os devidos e legais efeitos que é dona e legítima proprietária de um prédio misto sito na .......(...), freguesia de ....... (Castelo), concelho de Sesimbra, a que corresponde quer ao artigo matricial n.o (...), secção D da mesma freguesia, no qual se encontra construído um prédio urbano para habitação.
SEGUNDA
1. Pelo presente contrato a Primeira Outorgante dá de arrendamento à Segunda Outorgante, para sua habitação e esta toma de arrendamento, o imóvel identificado na cláusula anterior, no estado de conservação em que o mesmo se encontra.
2. O arrendamento é celebrado com recheio e equipamentos, constante de Inventário que ao presente se anexa e deste é parte integrante sob o número 1.
TERCEIRA
1. O local arrendado destina-se a habitação secundária da Segunda Outorgante e seus familiares, não lhe podendo ser dado outro destino para além do expressamente consignado neste contrato, sob pena de resolução do mesmo.
2. É lícito à Segunda Outorgante dar de subarrendamento partes do imóvel locado, sem necessidade de autorização da Senhoria, desde que permaneça do gozo da maior parte da área habitacional arrendada;
QUARTA
1. O arrendamento é celebrado pelo prazo de 10 (dez) anos tendo o seu início em 1 de Janeiro de 2014 e o seu término a 31 de Dezembro de 2023 renovável se a tal não se opuser qualquer uma das partes por períodos sucessivos de cinco anos.
2. A denúncia e oposição à renovação do contrato far-se-á nos termos legalmente aplicáveis à data dos mesmos.
QUINTA
1. A renda mensal é de € 1.100,00 (mil e cem euros), sendo paga pela Segunda Outorgante à Primeira Outorgante, até ao dia 1(um) do mês anterior àquele a que a renda disser respeito, através de depósito ou transferência bancária, (... )”
4. Por escritura datada de 26-07-2010, junta sob o doc. 4 com o requerimento do credor (...), datado de 28-07-2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi celebrado contrato de hipoteca e mandato com a sociedade insolvente (...), através da qual a sociedade constituiu hipoteca voluntária sobre o imóvel a favor do Banco (...), S.A. (posição ocupada pela ora
requerente por via da cessão de créditos e de Sentença já proferida no âmbito da habilitação) para garantia de um contrato de financiamento com o n.o (...).
5. Tal hipoteca sobre o imóvel foi registada pela Ap. (...), de 2010/08/03;
6. Na escritura de constituição de hipoteca ficou mencionado que “a execução, arresto, penhora ou qualquer outra forma de apreensão, arrendamento, alienação ou oneração do imóvel hipotecado, ... tornará imediatamente exequíveis todas as obrigações garantidas pela presente hipoteca e, consequentemente, a sua imediata exequibilidade.”
7. A arrendatária do imóvel não procedeu à entrega voluntária do mesmo. Não provado:
A existência de um contrato de arrendamento celebrado em 2008, entre a insolvente (...) e a arrendatária (...).
2. Direito
2.1. Da suspensão dos autos por pendência de causa prejudicial
A Recorrente instaurou contra a Recorrida e Massa Insolvente de (...) –..............................S.A., ação declarativa de processo comum, a qual constitui hoje o apenso K dos autos da insolvência, em que pediu, designadamente, a declaração de nulidade da escritura de compra e venda a que se reporta o ponto 2 dos factos provados e requereu a suspensão dos presentes autos, por pendência de causa prejudicial.
A suspensão dos autos foi inferida – “(...) indefiro à requerida suspensão do pedido de entrega do imóvel por inexistência ao presente de qualquer causa prejudicial, nos termos do artigo 272.o, n.o 1, do CPC e ainda que assim não fosse, sempre seria de indeferir tal pedido, por ser manifesto que a propositura da ação comum que constitui o apenso K, mais não visa do que protelar, justamente, a apreciação e decisão do aludido pedido, nos termos do artigo 272.o, n.o 2, do CPC” – e a Recorrente reitera no recurso a prejudicialidade da causa pendente argumentando essencialmente que “caso a venda seja, naquele apenso, julgada nula por força da inobservância dos critérios que a lei impõe, a caducidade do contrato de arrendamento, alegada no presente apenso, em causa não estaria sequer em causa” [ccla s)].
A alegada causa prejudicial mostra-se julgada por decisão transitada em julgado em 2/3/2022 [cfr. refa 7726553 do apenso K].
Segundo os artigos 272.o, n.o 1 e 276.o, n.o 1, alínea c), o tribunal pode
ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta e a suspensão cessa quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial.
Assim, admitindo por mera necessidade de raciocínio que a decisão a proferir nos presentes autos estaria dependente da apreciação das questões colocadas no apenso K, o julgamento definitivo deste removeram os obstáculos à prossecução dos presentes autos, ou seja, os pressupostos de facto e de direito que, em tese, justificariam a suspensão deixaram de se verificar.
Improcede o recurso quanto a esta questão.
2.2. Se a venda em execução de imóvel arrendado para habitação determina a caducidade do contrato de arrendamento
(...), ..................................., S.A. adquiriu por compra a Massa Insolvente de (...) – ..........S.A., o prédio urbano com logradouro, denominado Herdade (...), sito na freguesia de ..........
(Castelo), concelho de ......., o qual lhe havia sido dado[1] de hipoteca, registada em 3/8/2010 e, em momento posterior, 1/1/2014, dado de arrendamento, para habitação secundária, a (...), ora Recorrente [pontos 1 a 5 dos factos provados].
Firmada nestes factos, a decisão recorrida, depois de considerar que o contrato de arrendamento outorgado em momento posterior à hipoteca se encontra abrangido pelo disposto no artigo 824.o, n.o 2, do Código Civil, segundo o qual, na venda em execução, “[o]s bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”, declarou “a caducidade do contrato de arrendamento, outorgado entre a insolvente (...) –............., Lda., e (...), em 1 de janeiro de 2014”.
Acentuando a natureza pessoal do direito de gozo que a lei confere ao arrendatário com a sua inerente exclusão da previsão da norma aplicada, vocacionada para os direitos de garantia e demais direitos reais, a Recorrente diverge da solução.
O recurso coloca assim a questão de saber se a venda de um imóvel hipotecado e arrendado em data posterior ao registo da hipoteca, realizada no âmbito de liquidação efetuada em processo de insolvência do locador, origina a caducidade do arrendamento, nos termos do disposto no n.o 2 do artigo
824.o do Código Civil.
Questão amplamente debatida e para a qual a jurisprudência encontrou respostas divergentes que vieram a justificar a intervenção do pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, o qual pelo Acórdão n.o 2/2021, de 5/7/2021 [DR, n.o 151/2021, Série I de 5/8/2021] fixou o seguinte segmento uniformizador: “A venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109.o, n.o 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057.o do Código Civil, sendo inaplicável o disposto no n.o 2 do artigo 824.o do Código Civil”.
Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência (AUJ) não tem a força obrigatória geral que tiveram os Assentos [cfr. artigo 2.o do Código Civil anterior à sua revogação pelo artigo 4.o do D.L. n.o 329-A/95, de 12/1] mas a circunstância de, independentemente do valor da causa e da sucumbência, ser sempre admissível recurso das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 629.o, n.o 2, alínea c), do CPC) revela bem o valor persuasivo que a lei lhes confere. Precedente qualificado que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo reiteradamente a afirmar por forma a considerar que a doutrina uniformizadora apenas poderá ser desconsiderada com fundamento em fortes razões ou especiais circunstâncias que não tenham sido suficientemente ponderadas [cfr. v.g. Acs. STJ de 17/11/2015 (proc. n.o 1999/05.6TBFUN- I.L1S1) de 24/05/2016 (proc. n.o 3374/07.9TBGMR-C.G2.S1) e de 09/01/2018 (proc. n.o 212/14.0T8OLH-AB.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt].
Também assim, a doutrina, “[t]endo em conta o sentido e o valor que se atribui à jurisprudência uniformizada, parece óbvio que, em princípio, enquanto se mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo, os tribunais judiciais devem acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expetativas dos interessados, podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição do recurso” [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 381].
O que tudo vem a propósito para refutar a tese da Recorrida segundo a qual não é de aplicar a doutrina uniformizadora em referência, essencialmente fundada em argumentos que obtiveram vencimento e, como tal, em argumentos ponderados no AUJ.
Ademais, não se colocam, a nosso ver, as reservas constitucionais suscitadas pela Recorrida sobre o n.o 2 do artigo 824.o do Código Civil na dimensão interpretativa tirada pelo AUJ em referência; argumenta esta que uma tal interpretação viola o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, por consubstanciar uma decisão surpresa face à jurisprudência manifestamente maioritária sobre a questão e viola o direito fundamental da propriedade privada, por restringir injustificadamente e desproporcionalmente o direito da Recorrida à recuperação do seu crédito sobre a insolvente, por referência, respetivamente, aos artigos 2.o e 62.o da Constituição da República Portuguesa.
A mera enunciação da discordância leva em si, estamos em crer, a falta de fundamento dos argumentos; de facto, se a interpretação da norma se conforma com uma das orientações jurisprudenciais, admitindo que minoritária, como se afirma, não constitui decisão surpresa e, decisivamente, a interpretação que se contém dentro do teor literal e do alcance teleológico duma determinada norma – não se questiona – por natureza, não constituirá decisão surpresa, uma vez que o intérprete fazendo uso adequado do seu múnus, sempre poderá antecipá-la e contar com ela; depois, a lei fere de nulidade a cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados, ou seja, o dono dos bens hipotecados é livre de os alienar ou onerar (artigo 695.o do Código Civil) e não o contrário, o que significa que o credor hipotecário sabe antecipadamente que o bem hipotecado pode vir a ser onerado pelo devedor, ou seja, o bem hipotecado não é excluído do comércio jurídico, o devedor continua a dispor e fruir dele, podendo dá-lo designadamente de arrendamento – se acaso este constitui uma oneração do bem para efeitos da norma – razão pela qual o segmento uniformizador, conformando-se com esta disciplina, não restringe o direito do credor à recuperação do seu crédito; consideração, em abstrato considerada, pois que em concreto, a Recorrida, na espécie, não se configura como credora mas como adjudicatária do bem, posição jurídica que lhe permite fazer valer os direitos que decorrem da sua investidura na titularidade do bem e não aqueles que resultam da sua qualidade de credora hipotecária, suposta pela sua argumentação.
De acordo com o AUJ n.o 2/2021, a venda, em sede de processo de insolvência, de imóvel hipotecado, com arrendamento celebrado subsequentemente à hipoteca, não faz caducar os direitos do locatário de harmonia com o preceituado no artigo 109.o, n.o 3, do CIRE, conjugado com o artigo 1057.o do Código Civil, sendo inaplicável o disposto no n.o 2 do artigo 824.o do Código Civil.
No caso, o imóvel vendido no apenso da liquidação da insolvência (...) – .............................S.A., foi dado de arrendamento à Recorrente em data posterior à penhora registada a favor de (...), STC, S.A. que o adquiriu na venda da liquidação.
A venda em sede de insolvência não faz caducar o arrendamento, por não se incluírem os direitos do arrendatário no âmbito da previsão do artigo 824.o, n.o 2, do Código Civil.
Havendo sido outro o entendimento da decisão recorrida, resta revogá-la.
O recurso procede nesta parte.
3. Custas
Vencidas no recurso, as custas correm por conta da Recorrente e Recorrida,
em partes iguais (artigo 527.o, n.os 1 e 2, do CPC).
Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.o, n.o 7, do CPC): (...)
IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, em:
a) julgar improcedente o recurso, na parte em que tem por objeto a suspensão do processo, mantendo a decisão recorrida;
b) julgar procedente o recurso quanto à questão da caducidade do arrendamento por efeito da venda e, em consequência, em revogar a decisão recorrida nesta parte.
Custas pela Recorrente e Recorrida, na proporção de 1/2.
Évora, 7/4/2022
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
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